1978 - Asilo nas Torres
Esta é uma novela alegórica, absurdista e distópica, curiosamente instalada num planeta Saturno que não é o Saturno real. Lá, habita um povo de comportamento individualista e desiludido, que vive em função das Torres, três edifícios públicos gigantescos que concentram o trabalho burocrático da sociedade. Na mais alta das torres, num andar acima das nuvens, mora o rei que quase nunca se mostra, mas concentra grande poder político.
As Torres são extremamente hierarquizadas e, como em qualquer repartição pública, os amigos do rei são sempre favorecidos. Elas são alimentadas por máquinas barulhentas, mas delicadas, que precisam de temperaturas baixas para funcionar a contento. Por isso, o ar no interior das Torres é mantido bem gelado, de forma que todos os que nelas trabalham precisam estar sempre bem agasalhados.
Os trabalhadores, chamados de asilados, têm uma relação de amor e ódio com as Torres, pois o ambiente externo, aprazível e pastoral, com arco-íris decorando o céu a cada crepúsculo, desperta o desejo de liberdade. Mas como o asilo nas Torres é a única forma de garantir o sustento, elas acabam sendo, para eles, mais reais que o belo mundo que as cerca.
As Torres foram construídas em meio a um descampado, cercadas por grades e muros. Mantêm-se em constante trabalho de ampliação, para acomodar o crescente contingente de asilados. De alturas diferentes entre si, são branquíssimas feito tudo o mais à volta, incluindo as onipresentes iúcas, plantas decorativas de flores muito brancas.
Os asilados, anônimos e nomeados apenas pela letra inicial de seus nomes, relacionam-se de forma doentia e desesperada, utilizando toda a sorte de artimanhas para manterem seus postos de trabalho e a influência que julgam ter. Amigos do rei exploram seus amigos, estes exploram os chefes de setor, que exploram seus subordinados; homens exploram mulheres etc.
O ambiente burocrático favorece a evolução de situações bizarras, como a dos trabalhadores que passam a vida toda realizando tarefas inúteis, sem que ninguém, nem os próprios, se aperceba disso. Mesmo as eventuais falhas no serviço de energia não conseguem mudar a rotina tirânica dos asilados, rigidamente controlada pelo relógio.
Duas mulheres polarizam a narrativa, as únicas com nomes. Salomé, sempre envolta em véus e acompanhada de um séquito de harpias, é uma bruxa cruel que domina os ventos e as artes da alquimia. E Assunta, mulher simples que leva a vida de forma discreta e esperançosa. Nem mesmo elas têm controle sobre a própria vida. Cada uma, a seu modo, é escrava das Torres, igual a todos os asilados.
Mas algo mais não vai bem. Filetes de água cristalina irrompem, sem explicação, nas paredes de concreto das Torres, em locais onde não há nenhum encanamento. Uma vez que os técnicos não conseguem identificar qualquer problema, a vida nas Torres segue inalterada. Contudo, esses filetes de água serão a pista para a definição do destino dos asilados, de suas Torres e principalmente de Salomé e Assunta, num desfecho dramático e simbólico.
A narrativa é multifacetada, construída através de relatos breves e aleatórios de situações cotidianas dentro e ao redor das Torres, entremeados por trechos de versículos bíblicos. Ruth Bueno investe fortemente nas relações interpessoais, com surpreendentes inserções de um erotismo quase pornográfico.
Ainda que a novela seja curta – apenas cento e vinte e oito páginas – e o texto seja leve, a leitura é difícil e dolorida, embora não chegue a ser depressiva. Os episódios encadeados amarram-se frouxamente e somente certo distanciamento, obtido com uma leitura de pelo menos três quartos do texto total, consegue revelar uma imagem mais clara.
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